Brasil: reviravolta da política?

Paulo Dalla Nora Macedo
3 min readAug 24, 2020

--

Não é segredo que, apesar de ter uma economia expressiva com PIB per capita de nível médio, o Brasil é um dos países menos iguais do mundo. Este é um país onde, de acordo com um relatório da Oxfam de 2019, o 1% dos cidadãos mais ricos controla 29% da riqueza nacional. Esse desequilíbrio de renda cria uma imensa lacuna de oportunidade, com uma diferença de apenas dois quilômetros nos endereços brasileiros implicando em um aumento (ou redução) potencial de 20 anos na expectativa de vida.

Alheio a essa realidade e superconfiante sobre a rápida conversão neoliberal de seu chefe, o admirador do Consenso de Washington, o ministro da Economia formado pela Universidade de Chicago, Paulo Guedes, disse sem rodeios aos repórteres meses atrás para não ‘contar conosco para reduzir a desigualdade no Brasil’. O plano era deixar o mercado fazer o trabalho.

Desde o início da campanha da presidência, o mercado financeiro desempenhou o papel de ter comprado a ideia de que o senhor Guedes transmitia uma mensagem na qual seu chefe também acreditava. Vale destacar que essa copiosa ‘encenação’ ajudou a desencadear uma força política que o o mercado não entende nem pode domar. No entanto, o acordo acolhedor não estava fazendo maravilhas, mas manteve vivo o sonho neoliberal (brasileiro), não sem uma dose generosa de autoengano, no entanto. “Brasileiro” porque foi estranhamente mesclado com uma dose de reacionário.

E então COVID atacou. A lenta resposta de Guedes à pandemia em termos de apoio à economia brasileira está profundamente enraizada em suas crenças econômicas. Sua primeira reação foi continuar pressionando por reformas para proteger o Brasil da crise, estratégia que não fazia sentido e foi criticada pelo Congresso.

Por outro lado, o presidente viu a oportunidade política, e melhor ainda, que isso não significava trair suas verdadeiras convicções e aproveitou. Como resultado, ele viu sua popularidade disparar entre os pobres, graças ao estipêndio mensal de R $ 600 (US $ 110) pago pelo governo aos desempregados e aos milhões no mercado de trabalho informal.

Agora, ele planeja estender esse pagamento de emergência, rotulando-o de ‘Renda Brasil’ para transformá-lo em um novo e superdimensionado ‘Bolsa Família’. O presidente também cogita, com o apoio vibrante dos campeões dos barris, minar a lei fiscal brasileira destinada a manter o déficit sob (uma espécie de) controle e está em andamento a conversa de um “Plano Federal de Investimentos”. Não que o investimento do governo seja sempre uma má ideia, mas esses grandes esquemas controlados por tais figuras têm, compreensivelmente, uma má reputação no Brasil. O jeito de Dilma é voltar. Lampedusa ficaria orgulhoso.

Para aumentar a pressão, a saída repentina de dois altos funcionários econômicos do Brasil desferiu um golpe considerável no ministro da Economia, Paulo Guedes: Salim Mattar, secretário de privatização do Brasil, e Paulo Uebel, secretário de desburocratização, deixaram o gabinete após reclamar do falta de apoio para seus planos.

O ministro da economia agora está em uma encruzilhada. Quando os importantes ministros de gabinete Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Sergio Moro (Justiça) deixaram o governo, correram rumores de que Guedes seria o próximo a abandonar o navio antes de ser descartado. A opção é alinhar-se com seu chefe e reduzir significativamente, para dizer o mínimo, sua agenda econômica.

O mercado financeiro agora tem que aprender a conviver com essa realidade, e talvez até 2026, já que não existe uma visão local do “Joe” no Brasil e o empresariado não é conhecido pela coragem de se levantar contra os governos. Como não conseguiu decifrar a força, pode ser devorado por ela.

--

--

Paulo Dalla Nora Macedo
Paulo Dalla Nora Macedo

Written by Paulo Dalla Nora Macedo

Paulo Dalla Nora Macedo is an entrepreneur in Brazil dedicated to civic initiatives to promote non-partisan political dialogue

No responses yet