Recife, esqueça o Brasil (por enquanto)

Paulo Dalla Nora Macedo
2 min readNov 26, 2020

--

Tenho conversado e ouvido os candidatos à Prefeitura do Recife e um ponto tem sido recorrente em todos eles (as): “vou buscar parcerias com o governo federal para investimentos na cidade”. Embora concorde com a lógica política da afirmação de que as diferenças ideológicas devem ser deixadas de lado para que se trabalhe em prol do desenvolvimento, a meu ver, a resposta deixa de considerar um dado incontornável da realidade: Recife não pode esperar investimentos do governo federal nos próximos anos. E os dois motivos principais para esse diagnóstico são pragmáticos e factuais:

Primeiramente, o Brasil encontra-se em uma situação fiscal muito frágil e insustentável. É verdade que muitos dos gastos por conta da pandemia foram necessários e que foram um movimento global, o que ameniza a comparação com outros países. No entanto, é preciso ser dito que fomos o país com maior percentual de gastos sobre o PIB entre os países de renda similar (dados da Fundação Gates). Um exemplo: a estimativa de perda de renda até o final do ano será de R$ 150 bilhões, mas o programa do auxílio emergencial vai distribuir R$ 350 bilhões. Paulo Guedes disse em março que, com “R$ 5 bilhões, acabamos com o Covid-19”, o que aconteceu foi que o governo federal sentiu o gosto do populismo e ele capitulou. O que não deveria ser nenhuma surpresa, pois ministro governar presidente era uma narrativa equivalente à “mamadeira” econômica.

Segundo, o que Recife tem como diferencial competitivo, inovação e tecnologia não é central para o governo federal. Claramente, no Ministério da Economia, não cabem projetos de indução de desenvolvimento regional, que ajudaram a impulsionar Suape e o Porto Digital. A postura do Ministério da Fazenda, de acreditar em um liberalismo econômico mais radical que Friedman, favorece clusters da economia sofisticados e que têm massa crítica para criar e manter as suas próprias vantagens competitivas. Vejam que 2020 tem sido o ano das start-ups no Brasil, é verdade, mas quantos unicórnios nasceram em um raio de mais de 10 km da Faria Lima? Outra parte do governo, na qual se insere o próprio presidente, olha para as oportunidades de desenvolvimento que estejam mais ligadas ao extrativismo dos recursos naturais, agricultura e pecuária mais rudimentar, fortes componentes da sua base ideológica.

Por tudo isso, estou convencido de que o futuro prefeito(a) do Recife vai ter que olhar muito mais para o mundo e menos para Brasília. Gastar sapatos e milhas, levando embaixo do braço o Porto Digital e uma consistente, pensada e trabalhada por quem entenda e tenha padrão global, não adianta aqui uma solução caseira, estratégia de captação de investimentos, parceiros e negócios externos. Porque, como dizia o Barão de Itacaré: “De onde menos de espera, é que não sai nada mesmo”.

--

--

Paulo Dalla Nora Macedo
Paulo Dalla Nora Macedo

Written by Paulo Dalla Nora Macedo

Paulo Dalla Nora Macedo is an entrepreneur in Brazil dedicated to civic initiatives to promote non-partisan political dialogue

No responses yet