Sócios do Desastre a Caminho | Paulo Dalla Nora Macedo
Imediatamente após a insurreição em 06 de janeiro, nos EUA, vimos uma enxurrada de análises que ligavam a invasão do Capitólio ao discurso que o presidente Trump fez naquele mesmo dia em comício chamado de “Save America”.
Passado mais de um ano, essa visão estreita foi substituída pela realidade de que o ataque ao Capitólio foi desencadeado por eventos muito anteriores ao comício do dia e mais ainda:de que existiu um planejamento detalhado para subverter o resultado das urnas. Além disso, a hipótese real de que a responsabilidade recai sobre muito mais pessoas do que apenas meramente em Trump: por conivência ou leniência.
Uma evidência de maior responsabilidade é que dezenas de congressistas republicanos votaram contra a certificação da eleição, consoante com os desejos da turba que ocupava o Capitólio naquele momento, mesmo após saberem da invasão do prédio onde estavam. O Partido Republicano chegou a declarar, oficialmente, que o evento foi um “discurso político legítimo”.
Prevendo que um movimento mais amplo de busca de responsabilidades ocorreria, empresas de tecnologia e mídia social bloquearam as contas do presidente, bem como muitas das vozes amplificadoras, em um aplicativo que estava se tornando um refúgio para extremistas.
Empresas como Marriott, Airbnb e Dow Chemical anunciaram que suspenderiam as doações aos membros do Congresso que votaram contra a certificação eleitoral americana. Citibank, Goldman Sachs e JPMorgan, entre outras instituições financeiras, anunciaram que estavam suspendendo todas as doações enquanto “reavaliavam as políticas internas de financiamento”. Todas essas ações mostram uma preocupação legítima e bem-vinda; no entanto, essas medidas não devem apagar o debate sobre comportamentos passados.
Um dos maiores doadores de movimentos políticos nos Estados Unidos, o bilionário Charles Koch, reabriu a discussão sobre responsabilidade por condutas passadas. Com seu irmão David, que morreu em 2019, ele ajudou a impulsionar o movimento Tea Party e a ala de extrema-direita do Partido Republicano nos Estados Unidos. Ele fez um mea-culpa sobre sua própria conduta em seu livro mais recente, “Believe in People”. Koch analisou que o sectarismo leva os partidos a extremos a partir de políticas destrutivas. Ele perguntou: “A América pode sobreviver como um país se nossos cidadãos se desprezam?”. E ele mesmo respondeu: “Rapaz, nós erramos feio!”.
Aqui, no Brasil, todas as evidências apontam que teremos algum movimento de reação dos extremistas locais, os bolsonaristas, a uma eventual derrota nas eleições. Mesmo sem um golpe se concretizar, é provável que vejamos conturbações graves que vão deixar sequelas profundas: o roteiro é bem previsível e bem mais preocupante do que o desenhado nos EUA, onde as Forças Armadas mantiveram uma distância exemplar da questão. No nosso caso elas estão fazendo um lamentável papel de procuradores do Presidente com as críticas ao sistema eleitoral.
Essa obviedade do desfecho não parece ser suficiente para antecipar um movimento de defesa veemente e pública do nosso sistema eleitoral pelo estabilishment financeiro, empresarial e suas entidades de classe. Ao invés disso, energia é gasta em questões secundárias e de baixíssima possibilidade de ocorrer, como o aparecimento de uma candidatura alternativa viável. Essa leniência vai criando as condições para piorar o cenário, esse quase certo, do que está por vir. Ninguém poderá alegar surpresa. Para obter mais informações sobre este tópico, siga Paulo Dalla Nora Macedo no Twitter: https://twitter.com/paulodallanoram